Divinamente inteligente
Aí embaixo vai uma resenha que escrevi, semestre passado, para a disciplina de Português I. Um dos melhores filmes que já vi.



Divinamente inteligente


Religião é um assunto sério e polêmico, deixando, normalmente, pouco espaço para risadas. Contudo, risos é o que o filme “Todo-poderoso” (Buena Vista, 2003) mais provoca.
Com um elenco impecável, desde o aparentemente simples mendigo que faz aparições durante todo o filme expondo mensagens bíblicas até o personagem principal e os seus colegas jornalistas, o longa brinca com a religião, envolvendo trechos da Bíblia, jargões, muitas preces, metáforas e, ainda assim, dá uma série de lições de moral, usando um senso de humor arrebatador.
O talentoso Jim Carrey (“Ace Ventura” e “Número 23”) interpreta Bruce Nolan, repórter televisivo que se sente descontente e frustrado com praticamente tudo em sua vida, ainda que haja muito amor em sua relação com sua namorada Grace (Jennifer Aniston – “Friends”). Após passar por diversas situações que usualmente deixam-nos de cabelos em pé (ele é, até mesmo, demitido), Bruce cansa-se do aparente “pega no pé” celestial e passa a ridicularizar e a criticar Deus. Para sua surpresa, entretanto, ele acaba sendo bipado pelo próprio Criador que, em sua forma humana (Morgan Freeman – “Menina de Ouro”), o oferece um único trabalho: o Seu.
Deixando toda a área de Buffalo sob a responsabilidade de Bruce, Ele cede seus poderes ao repórter por uma semana. Ao invés de procurar ouvir as preces dos cidadãos e tomar conta da cidade, no entanto, Bruce passa a tentar resolver sua vida. Tira proveito de seus recém-adquiridos poderes para realizar seus desejos e punir seus rivais. Consegue o cargo de âncora do noticiário televisivo aonde trabalhava; faz o seu antes não-treinado cachorrinho fazer suas necessidades em uma privada (lendo jornal); transforma seu antigo carro em uma Ferrari e tenta fazer com que sua namorada o perdoe após uma feia briga, tentando (e não conseguindo) interferir no livre-arbítrio. O resultado: o Equilíbrio é prejudicado e cidade e o mundo viram um absoluto caos.
Deliciosamente hilário, o filme causou polêmica entre alguns padres e autores religiosos, como Samuel Costa, que censurou profundamente o fato do filme “ridicularizar o que não deve ser objeto de brincadeira”. Em minha modesta opinião, contudo, essa foi a grande sacada dos produtores, afinal, o longa foi direcionado para um determinado público-alvo. Não é à toa que ele foi sucesso de bilheteria num mundo, em sua maioria, Cristão.
Embora possa parecer debochado pelas piadas, a película cinematográfica passa a mensagem inegavelmente cristã de que ser Deus é uma tarefa com a qual o ser humano não está apto a lidar, e a qual ele não deve, de forma alguma, ambicionar, mas sim deixar o mundo nas mãos Daquele Que Tudo Pode. Após um início endiabrado, o filme, que ainda possui um sutil tom de drama muito bem interpretado por Carrey, Aniston e Freeman, começa a passar mensagens beatificadas, como “A vida é justa”, “Quer um milagre? Seja o milagre" e a súplica de Bruce, quando ele parece cair em si, após a briga com Grace: “Por favor, eu não quero mais fazer isso,
não quero mais ser Deus! Quero que Você decida o que é melhor para mim! Eu me rendo à Sua vontade!”.
Com um roteiro sublime e uma história divinamente inteligente e bem entrelaçada, “Todo-Poderoso” não só faz a barriga doer de rir como nos traz diversas mensagens dignas de reflexão, inclusive sobre nosso próprio papel na Terra e se devemos conformar-nos com ele ou não. Talvez venhamos a descobrir coisas diferentes do que imaginávamos, como Bruce, que saiu procurando por Deus e acabou encontrando a si mesmo.
Acredito que todos podemos, em alguma parte do filme, nos identificar com o sarcástico repórter. Certamente, em alguma parte de nossas vidas, já passamos por situações que nos causaram um sentimento tão grande de injustiça que nos fez querer cair de joelhos, levantar as mãos para o céu e clamar por piedade. No apagar das luzes, entretanto, talvez venhamos a descobrir que culpar Deus ou qualquer outra força maior por tudo que dá de errado em nossas vidas não é a solução para nossos problemas, e que temos mais controle sobre nossa própria existência do que imaginamos.
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